quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Trek Vulcão Sairecabur - relato

Integrantes: Caio, Paulinha e Filipe

Data: 12 de novembro de 2010


          O Chile, assim como os demais países que se encontram na Cordilheira dos Andes, possui muitos vulcões. Só na região de San Pedro de Atacama existem vários, como o Miñiques (5910m) e o Miscanti (5622m), próximos as lagunas altiplânicas, o Lascar (5500m) e o Putana (5890m), os mais ativos da região, com suas constantes fumarolas brancas, o Pili (6048m), o Toco (5604m), o Sairecabur (6050m), e os irmãos Licancabur (5950m) e Juriques (5704m).

          Alguns destes vulcões possuem rotas para a sua ascensão e algumas agências se especializaram neste tipo de passeio, colocando a disposição programações que incluem guias de alta montanha e todo o tipo de suporte, como oxigênio portátil, telefone via satélite e câmara hiperbárica. Existem caminhadas de um dia em direção aos vulcões Lascar, Toco e Sairecabur, de dois dias para o Licancabur e alguns trajetos mais técnicos e longos, como a subida até o Vulcão LLullaillaco (6760m) durando cerca de cinco dias e também ao Vulcão Ojos Del Salado, com seus 6893 metros de altitude, considerado o maior vulcão do mundo e o segundo pico mais alto das Américas, cujo trajeto de 7 dias é realizado em temperaturas que podem chegar até 30 graus negativos.

          Inicialmente nossa idéia era subir o Vulcão Licancabur. Porém, a logística que envolve esta subida é mais complicada. A expedição dura dois dias, tendo que passar para o lado boliviano, dormir em um refúgio as margens da Laguna Verde e iniciar a caminhada de madrugada. Decidimos seguir então para o Vulcão Sairecabur (6050m) que, apesar de ser mais alto que o Licancabur, a ascensão poderia ser feita em um único dia, em território chileno.

         Marcamos com o Filipe, nosso guia chileno, às 7 horas em nosso hotel. Ele apareceu um pouco atrasado com uma caminhonete 4x4 e assim, depois de colocar todas as nossas mochilas na carroceria, seguimos viagem para o altiplano, ao som do grupo chileno Sol y Lluvia. A estrada de acesso até a base do Sairecabur é praticamente a mesma que leva até os Geyser’s Del Tatio, com uma pequena variação de rota (ver GPS: TAT).

          Desde San Pedro levamos cerca de 2 horas até o ponto onde paramos para fazer nossa primeira refeição, aos 4300m de altitude, em um descampado a beira da estrada de terra que seguíamos. Tínhamos ao nosso lado um ônibus totalmente enferrujado e abandonado no estilo daquele do filme “Na Natureza Selvagem” (ver GPS: SABUS). O lugar era magnífico, e desde a subida ficamos maravilhados com a paisagem, com rochas vulcânicas salpicadas por palhas bravas e outras plantas nativas, como a Azorella compacta.

          O café da manhã era muitíssimo servido e tinha de tudo: café, chá, lanche com pão e queijo, bolachas diversas, maçã e leite. Depois de satisfeitos, ele nos deu uma espécie de “kit Sairecabur”, com gatorade, chocolate e castanhas. Nosso café da manha durou uma eternidade, por causa de nossa grande ansiedade, ao passo que o nosso guia estava muitíssimo sossegado, e parecia que estava fazendo de propósito, mas percebemos depois que toda esta demora era de propósito mesmo, fazia parte de nossa aclimatação para a subida.

          Após cerca de 1 hora estávamos novamente no 4x4, seguindo agora por uma estradinha bem sinuosa e íngreme, com um visual cada vez mais espetacular, sentindo cada vez mais a sensação de despressurização que a subida causava (ver GPS: SBD). Subimos por cerca de 1 hora até entrarmos em um terreno bastante plano, onde notamos bastante enxofre pelo chão, na forma de um pó, uma terra macia, que fazia com que o carro praticamente flutuasse (ver GPS: CRT).

          Avistamos muitas rochas nas bordas deste planalto e percebemos que estávamos atravessando a cratera do vulcão. Ela era imensa, arredondada e sua borda aparentava ser bastante íngreme. Percorremos toda a sua extensão até um de seus lados e passarmos ao lado de uma estação de pesquisa meteorológica que, segundo nosso guia, era operada somente por equipamentos, com enormes painéis solares. Era simplesmente um dos lugares mais inóspitos que tínhamos visitado, com rocha e enxofre para todo lado e nenhum vestígio de vegetação ou de animais.

          Terminamos de bordejar a cratera e iniciamos um leve trecho de subida por meio de um depósito de enxofre, uma antiga mina abandonada. Paramos a cerca de 5400 metros de altitude, saímos do carro e sentimos a primeira sensação do ar frio e rarefeito do lugar. Ficamos maravilhados com a paisagem e demos uma breve andada, olhando para a cratera que tínhamos atravessado e para o restante das rochas do Sairecabur, acima de nossas cabeças. Bateu um frio e uma sensação de inferioridade em relação à tudo que estávamos presenciando (ver GPS: SACARRO).

          O tempo estava bom, estava ventando pouco e a luminosidade era incrível. Pegamos nossas mochilas e percebi de cara o inicio da trilha que nos esperava. Era uma trilha branca, bem marcada sobre os depósitos de enxofre, inicialmente com baixa inclinação e que saia há poucos metros de onde estávamos. Iniciamos a trilha por volta das 10:30hs, com passos bem devagar, sentindo um pouco aquela sensação de ar rarefeito. Cerca de uns 30 metros adiante a trilha aumentou um pouco de inclinação até chegarmos a um patamar, já fora dos depósitos de enxofre, onde se inicia uma subida por entre os fragmentos e blocos rochosos de material vulcânico rolados de partes mais altas. A trilha agora seguia pela cascalheira de uma das vertentes do vulcão, com cerca de 50 a 60 graus de inclinação, sem uma direção específica a ser seguida, em uma rota aleatória, tentando seguir por um caminho que se apresentasse mais fácil (ver GPS: CASC).

          Na verdade não existia uma trilha e seguíamos de acordo com as coordenadas de nosso guia, que tinha estado ali muitas vezes antes de nós e que com certeza sabia a melhor rota para a ascensão. Eu cheguei até a cogitar com ele se não seria melhor subirmos mais pela direita e tentar evitar as cascalheiras, mas ele disse que este era o melhor caminho a seguir. Acatamos a sua decisão e seguimos avante e para cima. O terreno não era muito estável e de vez em quando afundávamos até a canela sobre os cascalhos mais desagregados ou então desestabilizávamos algum bloco maior, que seguia seu rumo em direções mais planas. Senti que a Paulinha não estava gostando muito daquelas condições, depois que um grande bloco acima da gente iniciou uma leve avalanche e passou bem perto de nós.

          O guia ia sempre à frente, parando para observar e esperar a gente. Eu vinha sempre mais perto da Paulinha, tentando incentivá-la para conseguir forças e superar os desafios que estavam a nossa frente. Subimos um longo trecho e aparentemente entramos em um trecho ainda mais instável, fato este que levou a Paulinha a cogitar que estávamos subindo sem nenhuma condição de segurança. Perguntamos para o Filipe sobre o restante do trajeto e ele disse que a tendência era de que a situação piorasse. Andamos por mais alguns metros, já perto do topo da primeira encosta, que o nosso guia chamava de “Cabeça Preta”, quando entramos em um trecho bastante difícil, em um terreno com cascalho muito fino e solto, com péssima aderência, por volta de 5900 metros. Este ponto foi à gota d’água e a Paulinha decidiu abortar a subida, devido às condições de segurança, apesar de sua aclimatação estar boa (ver GPS: SAPAUL).

          Paramos todos e ficamos avaliando a situação. Ou subiríamos todos ou desceríamos todos. O guia achava que não seria uma boa decisão eu seguir sozinho, pois existiam trechos complicados e eu poderia sair do trajeto correto e me perder. Decidimos descer todos e abortar a subida. A Paulinha não aceitou essa decisão e disse que desceria sozinha, bem devagar até a trilha de acesso e depois ao carro, que ainda era visível da onde estávamos. Pensamos por alguns minutos e decidimos então aguardar e acompanhar toda a sua descida até a trilha de acesso, para termos certeza de que ela estaria bem. Ela estaria fora de perigo se chegasse ao carro, pois encontraria vestimentas, água e comida. Após cerca de meia hora ela chegou na base da rampa de acesso e acenou para a gente que estava tudo bem. Seguimos em frente.

          Aqueles minutos parados não foi muito bem recebido pelo nosso organismo, pois o frio começou a aumentar e o quanto antes voltássemos para altitudes normais seria melhor. Passamos pela “Cabeça Preta”, que na verdade era um grande bloco de material vulcânico. Este ponto nos servia de parâmetro, pois após passarmos por esta feição, subimos mais alguns metros por entre as cascalheiras e passamos a entrar em um patamar mais plano.

          Saímos então do trecho chamado por mim de “Cascalheira” e agora começamos a caminhar em um terreno mais plano, porém com muitos blocos rochosos por toda parte (ver GPS: PLAN). Neste trecho também não existia uma trilha definida e, seguindo o guia, percebi que começávamos a contornar, pela esquerda, um imenso complexo de derrames vulcânicos, bastante fraturados, de vários metros de altura.

          Contornamos a esquerda deste complexo rochoso, caminhando por cerca de meia hora até entrarmos em um novo patamar, descendo por entre os blocos vulcânicos, em um estilo tipo “trepa-pedra”. Desde que deixamos a “Cabeça Preta” para trás, todo este trecho agora percorrido não apresentava maiores obstáculos, senão por alguns blocos mais soltos e algumas armadilhas e buracos entre as rochas.

          Mais alguns metros e percebi que o Filipe tinha parado e tirado a sua mochila. Tínhamos contornado o complexo vulcânico e agora estávamos atrás dele. Dava pra perceber o arranjo magnífico das rochas naquele planalto bastante instável. Sentamos nas pedras e ele me disse que estávamos no trecho em que eles chamavam de “Base para o Ataque” ao cume, por volta dos 6000m e apontou a nossa frente o último trecho a ser conquistado (ver GPS: SBCUM). Eu olhei e vi uma rampa de blocos soltos e cascalheira com extensão de cerca de 50 metros e lá em cima, até onde a vista alcançava, o suposto cume.

          O lugar onde estávamos era um local bem agradável para se preparar para a última ascensão, pois estava bastante protegido dos ventos pelo complexo vulcânico que tínhamos acabado de contornar e também, do outro lado, pela encosta final do cume. A parada foi rápida, não devíamos deixar nosso corpo esfriar muito, porém deu tempo pra comermos algumas castanhas e beber um pouco de água, além de um sachê de aminoácidos que eu tinha levado. Não mais do que 10 minutos depois estávamos com as mochilas nas costas e encarando a última rampa antes do cume.

          Esta rampa não era um trecho difícil, mas a cada metro que subíamos eu sentia o peso da altitude. Cheguei a lembrar os momentos difíceis que tinha passado por causa de uma aclimatação mal sucedida no ano passado, durante a tentativa de subida do Pequeno Alpamayo (5370m), na Bolívia. Naquela época eu estava bem fisicamente, tinha me preparado bastante, porém acabei me desgastando profundamente, tanto física quanto psicológicamente por causa do mal da montanha. Desta vez era diferente, tínhamos esquematizado um programa para tentar uma melhor aclimatação possível e neste momento eu sentia que o resultado tinha sido perfeito, eu estava forte e seguia firme.

          A cada metro conquistado, eu olhava para cima e conseguia ver cada vez menos rochas, até que não vi mais o guia e, entrando em um patamar mais amplo, percebi que estávamos entrando na parte mais alta. Vi o Filipe sentado em uma rocha, olhei para os lados e pensei: estávamos no cume. Quando ele me viu, deixou sua mochila e veio me dar suas felicitaciones por ter alcançado o cume do Vulcão Sairecabur, a 6050 metros de altitude (ver GPS: SACUME).

          A vista lá do alto é deslumbrante, uma vista de 360 graus com uma visibilidade enorme, o céu de um azul fenomenal e algumas nuvens seguindo pela Bolívia. Estávamos observando tudo, conseguíamos ver a grande depressão onde estava localizada a região do Salar de Atacama e San Pedro, lá nos seus 2500m de altitude. Víamos, um pouco abaixo de nós, praticamente na mesma linha do horizonte, o imponente Vulcão Licancabur, com os seus 5950m, ao lado do Juriques. Do lado boliviano e aos pés do Licancabur se descortinava as lagunas Blanca e Verde, além de diversos salares, lagunas e vulcões. Do lado chileno e mais perto de nós, tinha a cratera magnífica do Vulcão Saciel, o Vulcão Putana com suas emanações de gases, o Vulcão Colorado, além de toda a beleza do cume.

          O cume, representado por rochas vulcânicas aparentemente desordenadas, com blocos de diversos tamanhos por toda a parte, mostrava, naquele momento uma estabilidade natural impressionante. Até onde eu consegui observar, o cume não era muito amplo, mas tinha espaço suficiente pra muitas pessoas.

          A Paulinha, apesar de ter sido enganada aos 5900 metros de altitude, pelas armadilhas do trecho mais complicado da primeira parte da subida, estava ali comigo naquele momento. Dediquei esta subida a ela, uma subida em equipe, e me emocionei por lembrar da força e garra com que ela suportou e brigou contra seus desafios durante toda caminhada. Simplesmente ela estava comigo. Agradeci demais a oportunidade de estar vivenciando aquelas emoções.

          Era por volta das 13:30hs e apesar da temperatura estar amena para tal altitude, decidimos começar a descer logo, pois a sensação térmica estava caindo bastante, devido aos ventos frios que chegavam no cume bastante exposto.

         Iniciamos a descida pela rampa do cume, em um “trepa-pedra” misturado com cascalhos soltos que agora, a favor da gravidade, exigiam muito de nossas pernas. Passamos pela “Base de Ataque”, contornamos todo o complexo vulcânico e logo estávamos perto da “Cabeça Preta”, iniciando a descida do último patamar de cascalhos. Este trecho foi o que mais me desgastou, primeiro porque os joelhos já estavam fatigados e segundo, porque o trajeto de descida pelos cascalhos era bastante instável. Na verdade, a estabilidade era praticamente nula em certos pontos e acabamos por deixar o corpo nos levar, descendo como se estivéssemos esquiando, com os bastões de caminhada fazendo o papel de equilíbrio, escorregando ladeira abaixo.

          Chegamos na base da “Cascalheira” e entramos na trilha que passava pelos depósitos de enxofre até visualizarmos o nosso carro. A Paulinha já estava por lá abanando pra gente e neste momento, quando eu estava praticamente no plano, a poucos metros dela, foi que realmente senti a emoção e comecei a chorar bastante. As lágrimas escorriam pela lembrança de tudo que tínhamos passado até aquele momento. Tentei disfarçar quando a Paulinha me abraçou e não consegui falar muita coisa, estava exausto, muito exausto. Só lembro de ter dito pra ela me perdoar por ter subido e deixado ela voltar sozinha. Me senti bastante culpado e egoísta também e queria que ela soubesse disso. Ela me abraçou e me disse que estava tudo bem, e que eu tinha mesmo que ter continuado e que ela não iria se sentir bem se todos nós tivéssemos abortado a subida. Entramos no carro por volta das 15hs, cansados e praticamente empanados pela poeira de enxofre proveniente da trilha de acesso e seguimos rumo a baixas altitudes.

Pontos de GPS:

- Bifurcação para Sairecabur (TAT): 22°40'27.65"S / 67°57'44.07"O

- Desayuno Sairecabur (SABUS): 22°42'3.20"S / 67°57'26.00"O

- Início da subida mais íngreme (SBD): 22°43'2.83"S / 67°55'50.12"O

- Início da cratera do Sairecabur (CRT): 22°43'19.87"S / 67°53'56.03"O

- Base Sairecabur (SACARRO): 22°43'30.72"S / 67°53'17.22"O

- Início da Cascalheira (CASC): 22°43'21.88"S / 67°53'17.70"O

- Ponto antes da Cabeça Preta (SAPAUL): 22°43'16.90"S / 67°53'18.10"O

- Plano após Cabeça Preta (PLAN): 22°43'14.64"S / 67°53'19.55"O

- Base ataque Sairecabur (SBCUM): 22°43'10.90"S / 67°53'23.40"O

- Cume Sairecabur (SACUME): 22°43'8.00"S / 67°53'24.90"O

Observações gerais:

A lista de equipamentos utilizados nesta viagem está descrita na postagem relativa ao relato sobre San Pedro de Atacama, assim como os custos e estratégias de aclimatação utilizada.

Trek Vulcão Sairecabur - imagens

Vista geral do trajeto percorrido

Zoom do trecho percorrido

Trecho da cratera e caminho ao cume

Vista do Vulcão Sairecabur ao fundo

Parada para café da manhã a 4300m

Ônibus no estilo "Na Natureza Selvagem"

Paisagem do altiplano chileno - 4300m

Azorella compacta

Base da caminhada - 5400m

Vista dos depósitos de enxofre e cratera

Início da caminhada - 5400m

 Vista para depósito de enxofre

Início do trecho de cascalhos

Vulcão Licancabur ao fundo

Vista da cascalheira e base da caminhada ao fundo

Rocha vulcânica com mineralizações de enxofre

Trecho da cascalheira

Paulinha descendo a 5900m

Vista geral da cratera desde 5900m

Trecho chamado de "Cabeça Preta"

Contornando o Complexo Vulcânico


Parada na "Base para o Ataque" a 6000m

Vista do outro lado do complexo vulcânico

Ataque ao cume a 6020m

Cume do Vulcão Sairecabur a 6050m

Caio e Filipe no cume

Voltando do cume

Descida pelos cascalhos

 Paulinha e Caio após a descida - 5400m



Trek Vulcão Sairecabur - vídeos

Aclimatação a 4500m

Base a 5400m

Início da subida a 5400m

Início da cascalheira a 5500m

Subindo a 5900m

Parada para o ataque a 6000m

Ataque ao cume a 6020m

Chegando ao cume aos 6050m

Vista panorâmica do cume

Deixando o cume

Trecho da descida